Descobrir que um membro da família é usuário de drogas é uma situação que pode abalar muito as relações familiares. No entanto, a família também é um instrumento fundamental na recuperação do dependente químico. A coordenadora do Serviço de Psicologia e Psicanálise do Hospital Mater Dei, Marisa Decat, explica a importância da atuação da família nesses momentos.
O aprendizado no núcleo familiar
Segundo Marisa Decat, o ser humano sempre pertence a um núcleo familiar, e é nesse núcleo que o indivíduo vai crescer e aprender a lidar com a vida. Na busca da satisfação de seus objetivos e da felicidade, ele terá que aprender a superar as frustrações e as dificuldades. Nesse sentido, o uso da droga é um recurso buscado como forma de apaziguar as insatisfações e aliviar o sofrimento, tanto físico quanto emocional.
Também é no núcleo familiar que o indivíduo aprende sobre limites e os benefícios de esperar. O uso da droga, enquanto vício, leva à compulsão, ao imediatismo. A droga é usada como forma de resolver o problema de forma instantânea. É por isso que a aprendizagem sobre o limite na família é muito importante.
Marisa explica que o indivíduo deve aprender a suportar o limite, já que ele faz parte da vida. E “ensinar” sobre o limite humano implica não somente em falar do limite, mas em oferecer experiências sobre os ganhos possíveis deste aprendizado. “É por ter aprendido a esperar que se ganha lá na frente. A pessoa que usa droga faz o contrário: quer o imediato, e lá na frente ele não ganha”, esclarece a psicóloga.
A situação de dependência
Também é fundamental que, nesses momentos, a família entenda a situação de dependência. Marisa explica que o ser humano nasce totalmente dependente (da mãe, do pai, da família). O trabalho que terá ao longo da vida é sair dessa dependência total e partir para uma relativa independência – sempre continuaremos dependendo do outro.
O uso da droga pode revelar uma paralisia nesse caminho. “O usuário de drogas continua dependente e, muitas vezes, essa dependência pode ser pensada como algo que vai além da dependência de drogas. O vício pode refletir uma dependência maior, em outros âmbitos”, explica.
Segundo a psicóloga, um estudo recente mostrou que, com frequência, os usuários de drogas recriam núcleos familiares com seus grupos de uso, atribuindo papéis familiares aos membros. Isso é um exemplo prático da dependência que o ser humano tem do outro, da necessidade de se cercar de pessoas com as quais se identifique. Por isso, é importante que a família, como núcleo de origem, esteja preparada para ajudar o membro usuário de drogas e tome o lugar dessa possível família paralela. A família é um instrumento muito importante no tratamento.
Tratamento também para a família
Ao descobrir que um dos membros é usuário de drogas, cada família vai reagir com os recursos que tem, mas, principalmente, vai precisar refletir sobre a responsabilidade diante do fato que se colocou em suas vidas. De acordo com a especialista, muitas vezes, enxergar o uso de droga é tão difícil, tão insuportável, que o fato pode ser negado e recusado. “Se um filho consegue algo valioso, como ser aprovado em um vestibular concorrido, a família assume como sua responsabilidade. Quando aparece algo negativo ou difícil, como o uso de drogas, muitas vezes a tentativa é de eliminar isso, como se aquilo não fizesse parte da família”, exemplifica Marisa.
É sempre importante que esse problema seja abordado o mais rápido possível, para que o vício não se torne uma dependência de longo prazo, mais difícil de curar. A terapia familiar tem um papel importantíssimo no tratamento das dependências. Segundo Marisa, é necessário tratar as inter-relações dependentes no interior da família, favorecendo a diferenciação e o lugar de cada um para que o todo do problema não seja depositado em um um só membro da família – o usuário.
“Temos, hoje, atendimento psicológico e psicanalítico para as famílias de usuários em clínicas privadas. Esses grupos também podem procurar ajuda em Centros de Referência, instituições gratuitas que acolhem o usuário de drogas”, recomenda Marisa Decat.
RESPONSÁVEL:
Marisa Decat
Coordenadora do Serviço de Psicologia e Psicanálise da Rede Mater Dei de Saúde
CRP: 04-1389